domingo, 29 de novembro de 2009

A minha cabeça, quando acordo… (2)

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José Ramos – lembranças e amnésias (mais ou menos), projectos… e filosofias, após noites descansadas… mas, por vezes, não.
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Avintes, 29 de Novembro

Apesar de a noite ter sido de tempestade e de já ter dormido um bom bocado nas danças geladas da “Catarina Furtado”, tudo bem.

Há muitos mais programas de televisão onde adormeço. Para tal não me acontecer, preciso de estar interessado… e milhões de pessoas estão interessadas…

Televisão… audiências… etc. e tal é assunto “especial” só destinado a “especialistas”. E eu não sou.

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Hoje trago para aqui um pouco mais dos meus começos e forma de viver de então.

Minha mãe colocou-me neste mundo cinco meses antes de se ter declarado a II Grande Guerra Mundial, que terminou quando eu tinha seis anos e meio. Nasci em casa, na localidade dos Carvalhos, agora vila, do concelho de Vila Nova de Gaia. Aí e no Colégio dos Carvalhos, como aluno externo, onde meu pai era professor, me fui desenvolvendo.
Portugal não esteve directamente implicado nas hostilidades, mas viveram-se muitas dificuldades (alguns procuravam disfarçá-las). A população sentiu especialmente as dificuldades económicas e a falta de bens de consumo inerente.


Um “flash”:


Nininho brincava no quintal de casa com terra, água, pedritas, pauzinhos, plantas pequenas e uns 5 ou 6 bonecos de cascata que guardava religiosamente, dos quais 2 tinha herdado do irmão. Construía, feliz, um mundinho só seu.

Mamã:
-Nininho, tira o “babeiro”, veste o casaco e vai à padaria.
O Nininho, logo obediente, trocava a batita que protegia a roupa pelo casaco (formalidades da época, disfarces mais ou menos generalizados), recebia da mãe as “senhas de racionamento” do pão (havia “senhas” para outros géneros alimentares - arroz, açúcar…) e ia para a “bicha” da padaria esperar a distribuição. Recebia “sêmeas”, pães de farinha escura, por vezes cortados ao meio ou em quatro partes, conforme o número de “senhas”/pessoas de sua casa. (As “senhas” eram pequenos talões impressos em papel de cores e compravam-se com antecedência pelo valor correspondente ao pão que representavam).
Cada “sêmea” teria aproximadamente o tamanho que agora têm os pães de mistura (500gramas), mas com mais peso e destinavam-se ao consumo de um dia para 4 pessoas.

Outro “flash”:

Um amigo de meu pai era responsável num organismo particular que fornecia dezenas de refeições aos utentes e todos os dias havia alguns faltosos, mas poucos. Consequentemente, havia alguns pães brancos (luxo) a sobrar.
Lembro-me de ter ido a casa dele, duas vezes, buscar esses pães, que vinham às escondidas e a horas de pouca visibilidade, pela ilegalidade que isso representava.

Mais outro:


O rés-do-chão da nossa casa era de lojas térreas.
Meus pais estavam numa dessas lojas, dialogando e a combinarem se iriam lá esconder, ou não, enterrando, um pouco da pequena produção de milho que tiveram nesse ano, que seria para o caso de necessitarem, se a guerra viesse para Portugal. Isso acabou por não ser feito, o que me deu grande tranquilidade, pois percebi que poderia haver cadeia se a habilidade fosse descoberta. Meus pais nunca se aperceberam de que eu ouvi a conversa. Só a pensar no bem-estar dos filhos é que eles fariam isso. Que orgulho!
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Notas:
Todas as produções de cereais tinham de ser declaradas e entregues às autoridades, se fossem necessárias.
O fim da guerra estaria próximo pela idade que eu precisaria de ter para o discernimento relatado.