domingo, 13 de dezembro de 2009

Brinquedos


José Ramos – lembranças... (3)
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Estamos próximos do Natal e recordo-me de uma vez, nos períodos a que já me referi, ter tido no sapato, que colocava junto ao fogão de lenha (não tínhamos lareira), um camiãozinho de chapa, com capota vermelha e caixa verde escura. Como carga trazia umas moedas novas de cobre, reluzentes, a que eu dava valor como se de ouro se tratasse. O maior volume era constituído por um belo par de meias axadrezadas com cores vistosas. Talvez tivesse tido como prenda mais alguma camisola de lã que a minha tia Zulmira, de Famalicão, sempre fazia para os sobrinhos, quando crianças. Ah! Esquecia-me de falar noutra coisa muito querida. Vinham também, na carga, uns molhinhos de cinco chocolatinhos, com várias cores, amarradinhos com uma fitinha fina de seda. Vendiam-se já assim nas lojas, mas o Menino Jesus não precisava de comprar pois tinha de tudo. Até tinha camisolas iguais às que fazia a minha tia.
Também havia cigarros de chocolate, envolvidos por uma cinta de papel semelhante à dos cigarros “Fortes” (e que presumidos nos púnhamos, de cigarro na boca… imitando os adultos!). Meus pais nunca me deram desses, eu é que, já mais tarde, os comprava com alguns tostões que ganhava ou me davam (um tostão era dez centavos ou seja a décima parte de um Escudo).
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Mas também trouxe esta recordação para aqui com a intenção de referir que, apesar de ter gostado das prendas e de ter brincado um bocado com o camião, depressa me desinteressei. Na véspera, tinha entrado no mundo dos jogos com sameiras (caricas) e, na minha cabeça, quase só havia lugar para a”Volta a Portugal”que jogávamos no “passeio” fronteiro a minha casa.
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O que era a nossa “Volta a Portugal”?
Nos passeios que ladeiam as ruas, riscavam-se com giz duas linhas paralelas, distantes uns quinze centímetros, com curvas mais e menos sinuosas. Havia um princípio para a partida e um fim.
Dois ou mais jogadores, sorteavam as prioridades e jogavam. Ganhava o que chegasse primeiro ao fim. As jogadas consistiam em, colocada a sameira de cada jogador, por sua vez, na partida, este jogava-a o mais longe possível, com o polegar a funcionar como uma mola, três vezes seguidas, ou seja, uma etapa, não sendo permitido sair das paralelas. Se saltasse fora dos riscos voltava ao princípio dessa etapa.
As crianças tinham as suas riquezas em sameiras. Quanto à qualidade, guardavam ciosamente algumas que consideravam as mais eficientes para ganharem os jogos.
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Ora eu, que quase nunca vinha à rua, “eu não era menino de rua”, na antevéspera desse Natal tinha sido autorizado a ir brincar com dois vizinhos no passeio de minha casa. E, pronto, fiquei a gostar, até mais do que do brinquedo comprado. O meu mundo não era muito de brinquedos comprados. Brincava criando as minhas brincadeiras como se fossem coisas sérias. Quando era artista de circo pendurava cordas nas árvores do quintal e fazia os trapézios. Convidava duas irmãs minhas vizinhas para se exibirem também, metendo as saiazitas dentro das cuecas para ficarem com as pernas nuas. Ou não é verdade que as trapezistas se exibem com as pernas à mostra? Quando queria um rio fazia um rego com uma enxadinha (enxada, para mim) e esperava que minha mãe despejasse o tanque. Rezava “missas” quando era padre. Também fazia funerais de grilos, gatitos e outros animais pequenos que morriam doentes. Depois arranjava o jazigo de terra com uma colher de trolha e colocava flores com jeito. Semeava couves para vender quando ficassem plantadouras. Porém nunca arranjei mais que um comprador. O meu pai.
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Nos dias de hoje o mundo das crianças é feito mais à base de brinquedos comprados...
Parece-me importante reflectimos um pouco e mudarmos alguns procedimentos a que o mercado de consumo ardilosamente nos submeteu.